Roberto Alban Galeria

Artistas Artista

Eriel Araújo

Habilidades de alquimista

Sandra Rey

 A arte contemporânea nem sempre corresponde com presteza à ideia de um trabalho específico aplicado à matéria que faz a obra advir. A matéria sobre a qual o homem age, tem exigências. Os artistas contemporâneos se propõem a levá-las em conta, abdicando de lutar contra sua natureza, mas pelo contrário, querendo agir de acordo com ela. Então os projetos artísticos contemporâneos não mais incluem, necessariamente, a noção de habilidade, o domínio sobre um material ou mesmo a noção de uma virtuosidade levada a se manifestar. Desde o surrealismo e o dadaísmo que o artista busca na cumplicidade do acaso e do aleatório, a manifestação de leis de indeterminação que possam atribuir às suas condutas criadoras, a abertura de significados desapercebidos. 

O artista, hoje, frequentemente empenha-se num processo dialético entre suas ideias, seus planos estabelecidos preliminarmente como projeto, e o embate com a obra que está se fazendo. Muitos artistas contemporâneos vêem na arte uma maneira de pensar e resistir ao absurdo, do muito que no mundo, nos é dado como pronto. Assim, no lugar de dominar os materiais de sua expressão artística para produzir objetos acabados, que reforçam os sistemas vigentes, preferem empenhar-se num processo de fazer e desfazer, de suspender, de aproximar e distanciar, de deslocar, de apropriar-se, de transferir, de fazer reagir, de deixar escorrer ou de condensar, deixando à matéria, e à sua própria realidade energética, uma grande liberdade de ação. Assim, agem ao contrário de qualquer expectativa conduzindo a obra a um estado limite, sem descartar a possibilidade de ultrapassar o limite de sua própria existência durante o período de exposição. Contam, para a sua destruição, com a cumplicidade do espectador. 

O que estes artistas querem reforçam é a ideia de que a arte, mais do que uma realidade física, é ato e conduta criativa. O que propõem, querem sugerir ou talvez até tornem evidente, para si — e para o outro — é que se pode pensar e, principalmente agir, de forma diferente; que podemos transformar ou simplesmente deixar agir de outra maneira, o real que nos é dado como pronto ou determinado... 

Eriel Araújo utiliza seus conhecimentos de química para pesquisar reações e comportamentos da matéria e criar objetos e situações poéticas. Quer com isso chamar atenção para a mobilidade invisível de todas as coisas. Como substrato de seu trabalho podemos encontrar a parafina, o gelo, o carvão vegetal, fardos de algodão e essências perfumadas. Mas o objetivo central de sua pesquisa é construir situações poéticas com o devir da matéria, ora suspendendo objetos dentro dela, ora provocando situações para fazê-la mudar de estado ou até mesmo desaparecer. Os grafites de carvão aprisionados nos paralelepípedos de parafina, remetem a signos gráficos que sugerem não apenas o congelamento do tempo, mas também as sinalizações encontradas na arte rupestre; o bloco de gelo que se liquefaz desaparecendo sobre o fardo de algodão, a essência de madeira que exala seu cheiro remete aos estados primitivos das matérias que estão sendo apresentadas. O espectador reage à obra, não somente pelo olhar, mas participa da instalação através de seus sentidos. Com habilidades de alquimista Eriel pesquisa reações matéricas, criando situações de condensação, solidificação, absorção e evaporação, para despertar memórias arcaicas e chamar atenção para a condição primordial de nossa sujeição ao tempo, as tentativas de sua suspensão e as infindáveis transformações do devir.

Sandra Rey. Curadora e Artista. Doutora em Artes Visuais.

 

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